Não adianta correr. Ficar atento é o máximo que pode conseguir.
Olha o arrastão entrando no mar sem fim. Ele puxa bem devagar. Leva bolsa, leva carteira, leva o troco e o chocolate da menina. Ninguém nada sente ou vê. Só na hora que põe a mão no bolso o povo se dá conta. Nessa multidão é difícil se defender ou encontrar um culpado.
Todo dia é assim: são crianças, idosos e jovens que puxam essa corda e mergulham nessa água com a intenção de pescar o que não os pertence. As iscas são diversas: uma conversa amistosa, uma apresentação para distrair, ou apenas silêncio e calma. A vítima não nota a violência que sofre e se sente satisfeita até o momento da descoberta. É tarde. Perdeu.
E se é a ocasião que faz o ladrão, já existem especialistas em buscar o acaso. Pivete é um deles: programa cada hora e local. Mesmo com tão pouca idade, ele conhece todos os perfis e as táticas que melhor se encaixam para cada. Aprendeu tudo com o padrasto e utiliza de todos os recursos que estão ao alcance. O menino, sem saber, ajuda a destruir a cada dia a confiança que se deve ter com o próximo: será que ele realmente precisa de algo ou apenas quer desviar a atenção?
Na verdade ele precisa de muitas coisas. A começar pelo nome. Pivete não tem nome, nem imagina o quanto o arrastão do qual ele participa é diferente da prática poética da Vila dos Pescadores. O arrastão que ele conhece é injusto e nada bonito. Fere o direito de propriedade do homem ocidental, que sente sua liberdade violada. E o que é liberdade?
O garoto considera a distração um pecado que ele aproveita sem nenhum constrangimento. Ele mesmo agarra tudo que consegue o mais forte possível, pois ele também pode perder, ele sabe disso muito bem. E se perder? Arruma outro. Não dá tempo de chorar ou de se lamentar. A maré está ali para aproveitar.
E assim, Pivete e o restante das pessoas caminham olhando para todos os lados como estivessem sendo perseguidos. E pensando bem, estão sim. Perseguidos por uma sociedade de valores perdidos, de respeito acabado e de baixa consideração. Não há a beleza dos peixes, a alegria das crianças que ajudam a puxar a corda, a magia do brilho no olhar do pescador.
Não é mais uma cena paradisíaca, é uma imagem urbana. Esse mar não é claro e limpo. A imagem não é digna de foto de revista turística, mas de caderno policial. Mas de nada adiantaria, pelo menos é o que parece. As crianças não estão mais achando divertido, não há tanta inocência. Onde está o mar? Onde estão os peixes?
Quando está cansado, Pivete pára no topo da ladeira e observa a movimentação: as novas pessoas que chegam, as coisas que compram, o sentimento que transmitem com o olhar e seus pertences. Ao fundo, alguns conhecidos começam a acompanhar. Aos poucos se misturam na multidão. Olha o arrastão entrando no mar sem fim.